domingo, 7 de junho de 2009

Carta de um espartano!

Eu recebi essa carta na lista de Helenismo e achei, apesar de dificilmente ser mesmo verdadeira, a situação e o pensamento são completamente espartanos:

"Eu, que amanhã hei-de morrer, escrevo estas letras à luz de um archote esperando que amanheça. Contemplo o resplandor das estrelas e reparo que o seu brilho é muito diferente da obscuridão que envolve os cadáveres que se extendem frente a mim, os mesmos que tingem de vermelho o barro que piso e cujo odor a acre me repugna tanto como saber que amanhã eu serei mais um entre eles. Eu, Agatocles, soldado espartano, estou de guarda no desfiladeiro das Termópilas, sei que hoje nos rodearam e que este lugar será o meu túmulo e ao pensá-lo o meu estômago encolhe-se de frio, como se a gelidez da morte quisesse já invadir o meu corpo. Por isso escrevo com a minha letra minúscula e ao fazê-lo as minhas mãos deixam de tremer e sinto que os meus temores diminuêm. Não, não vale a pena tentar fugir ao resguardo da obscuridade, no seu lugar escrevo e estas letras falarão por mim quando eu estiver morto, elas explicarão porque aceito o meu destino; sim, serão elas que darão conta dos motivos pelos quais aqui espero a morte.

De nós, os espartanos da guarda do rei Leónidas, dizem que somos homens justos, que fomos eleitos entre aqueles que mais desprezam as riquezas e o luxo e que nunca nos deixamos corromper pelo ouro, mas na verdade eu vos digo que quem disse isso mente. Em Corinto vimos pela primeira vez ouro e prata em abundância e lançamo-nos sobre eles ansiosos pelo saque, porém, rapidamente vimos o irmão lutar com o irmão por uma taça de prata ou homens que haviam lutado ombro com ombro a disputar uma escrava de olhos verdes. Leónidas vio-nos possuidos pela codícia e convocou-no para a Agora, ali lançou por solo o que lhe havia correspondido e disse "Aí tendes a minha parte, matai-vos por ela". Nós, os trezentos homens da sua guarda, sentimo-nos envergonhados e de igual forma livramo-nos também das nossas riquezas. Desde essa noite abandonamos os palácios de mármore e dormimos fora da cidade, a coberto das nossas tendas de linho. Todos os homens do exército de Esparta nos enalteceram e disseram: "Estes são homens justos que não se deixam corromper", embora tenham repartido o nosso ouro, o que a nós pouco nos importou, porque haviamos visto o preço da opulência e nos pareceu tão alto que nem um só dos trezentos teve ânimo para permanecer na cidade.

Por isso, quando vislumbramos Xerxes na colina vestido de seda enfeitada com pedras preciosas, desprezamo-lo de imediato. Contudo, naquela mesma tarde ofereceu-nos um carro carregado de ouro em troca de lhe deixarmos caminho aberto, o que nos levou a sentirmos de novo el gosto da codícia no nosso interior e julgo que ninguém se viu livre de desejar essas riquezas e abandonar o desfiladeiro e viver, porém, Leónidas colocou-se à nossa frente. Ele conhece-nos e por isso não falou de honra, glória ou pátria, porque sabia que nesta ocasião esses termos iriam soar mal nos nossos ouvidos face à palavra vida. "Quiçá algum de vós deseje viver em Corinto", disse, "aquele que quiser pode colher a sua parte e abandonar-me. Quem o fizer recomendo-lhe que carregue muito ouro para assim esquecer o rosto dos amigos que deixa para trás, embora lhe faltará ainda mais ouro para esquecer o sangue dos que morrerão pela sua traição ali diante do desfiladeiro". Dito isto, permaneceu em silêncio e ninguém se mexeu, nem um só de nós lançou as armas ao solo. Naquele momento regozijamo-nos por estarmos ali junto ao nosso rei. Assim foi, e quem disser o contrário merece a morte.

De nós, os espartanos da guarda do rei Leónidas, dizem que somos homens de grande valor, que não tememos a morte e desprezamos a lâmina das armas dos inimigos. Eu, em boa verdade vos digo que quem disse isso mente, que ao vermos as lâminas do inimigo se encolhe o coração e tememos o corte do aço e a dor das feridas, mas muito pior que essa dor se nos afigura sofrer o desprezo do amigo que combate ao nosso lado, a vergonha da mulher que espera o nosso regresso, ou o repúdio do ancião que um dia lutou por nós. Por tudo isso dominamos os nossos temores e lutamos possuidos de uma fúria selvagem que resplandece nos nossos olhos, embora esse olhar não seja de ódio ao inimigo, mas de espanto por saber que a morte caminha sempre a nosso lado e que qualquer um pode ser o próximo. Assim é, e quem disser o contrário merece a morte.

De nós, os espartanos da guarda do rei Leónidas, dizem que somos homens leais e que lutamos pela liberdade dos cidadãos helénicos, pela justiça e pela lei, mas em boa verdade vos digo que quem disse isso mente. Amanhã, ao amanhecer abraçaremos os nossos escudos e, após empunhar as lanças, escutar-se-ão os nossos hinos de guerra ressoar no desfiladeiro e lançar-nos-emos contra as hordas dos bárbaros. Eu avançarei ombro com ombro, ocupando o meu posto na falange cerrada, sentirei o calor, a luz do sol, o odor do ferro, o suor dos homens, sabendo que tudo isso o farei pela última vez. A minha lança manchar-se-á de sangue, matarei dez bárbaros, ou cem, ou mil, mas isto valherá pouco, porque o meu ventre será atravessado pelas lanças do inimigo e morrerei, mas não o farei pela liberdade dos helénicos, nem pela justiça e a lei, nem sequer morrerei por Esparta. Morrerei para não me tornar escravo, arrastando as correntes da servidão pelos desertos de Media; morrerei para vingar Agesilao, meu amigo, que vi cair ontem atravessado por uma flecha egípcia; morrerei junto a Arquíloco, que me cubriu o flanco con o seu escudo em dez batalhas e amanhã o cubrirá pela última vez; morrerei por Leónidas, que nos conduz para a morte, mas a quem estamos agradecidos porque antes fez de nós homens.

Amanhã, quando a noite cair, da guarda do rei Leónidas só restará um conjunto de corpos sem vida, depois um punhado de ossos, a seguir um punhado de poeira, e por fim nada. Quiçá então, quando for esquecido o nome de Esparta e inclusive o vasto império do Rei dos Reis tiver sucumbido ao esquecimento, alguém recordará o nosso sacríficio e verá que pela nossa morte fomos justos, valentes e leais, assim como por tudo o que não chegamos a ser em vida, e então dirá: "os espartanos da guarda do rei Leónidas morreram há muito tempo, mas a sua recordação permanece imortal". Assim será, e quem disser o contrário merecerá a morte."

Essa é a forma que eu gosto de ver o mundo, minha família , meus irmãos e irmãs!

O que você perfere, medo da morte ou medo do olhar dos seus irmãos enquanto o inimigo inicinera os seus corpos vivos, sabendo que foi fraco e omisso ou corrupto demais para ajuda-los???


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